- Desce um momento. Deixa arranjar o quarto. Vai apanhar ar.
Pedro obedeceu e seguiu o pai até à biblioteca. Sentou-se longe da luz, ao canto do sofá e ali ficou como se estivesse adormecido. Lá fora a noite estava tempestuosa, a água batia contra as vidraças, o vento abanava as árvores.
Passado pouco tempo, Pedro disse para o pai:
- Estou realmente cansado, meu pai, vou-me deitar. Boa noite… Amanhã conversaremos mais.
Beijou respeitosamente a mão do pai e saiu devagar.
Afonso demorou-se ainda ali, com o livro na mão, sem ler, atento só a algum rumor que viesse do andar de cima; mas tudo estava em silêncio.
Deram dez horas. Antes de se recolher, foi ao quarto onde fizeram a cama da ama. No vasto leito o pequeno dormia como um Menino Jesus, com o seu pequeno guizo apertado na mão. Afonso não ousou beijá-lo, para não acordar a criança com as barbas ásperas. Depois, sem ruído, subiu ao quarto de Pedro. Entreabriu a porta. O filho escrevia, à luz de duas velas. Pareceu espantado de ver o pai.
- Estou a escrever – disse ele.
Esfregou as mãos, como que arrepiado da friagem do quarto, e acrescentou:
- Amanhã cedo é necessário que o Vilaça vá a Arroios… Boas noites, papá, boas noites.
No seu quarto, ao lado da biblioteca, Afonso não pôde sossegar, ouvia, no silêncio da casa, os passos lentos e contínuos de Pedro.
A madrugada clareava, Afonso ia adormecendo – quando de repente um tiro atroou a casa. Precipitou-se do leito, despido e gritando: um criado aparecia com a lanterna na mão. Do quarto de Pedro vinha um cheiro de pólvora e aos pés da cama, caído de bruços, numa poça de sangue que se ensopava no tapete, Afonso encontrou o seu filho morto, apertando uma pistola na mão.
Entre as duas velas, Afonso viu uma carta lacrada com estas palavras sobre o envelope: Para o papá.
Daí a dias fechou-se a casa de Benfica. Afonso da Maia partia com o neto e com todos os criados para a quinta de Santa Olávia.
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